mardi 8 janvier 2008

Kastrup Airport


painting by Vladimir Dubossarsky
Pintado no Albergue da Juventude de Copenhague




Há um tempo estava eu no aeroporto de Kastrup em Copenhague, olhava as centenas pessoas que lá chegavam enquanto esperava minha vez de embarcar. Neste dia eu determinei que iria escrever sobre o que via naquele lugar. Porém esqueci. Esqueci de escrever, mas não do que vi. Ontem, proseando com uma amiga eu me lembrei desse dia, por acaso. A memória não é meu forte, então é provável que alguns detalhes importantes tenham se extinguido, mas o essencial eu guardei.
Pois bem. Eu acho fantástico lugares como aeroportos, rodoviárias, estações de trem e similares. Neste espaço físico dentro da cidade acontece milhares de cenas de novelas todos os dias. Encontros, desencontros. Milhares de pessoas chegam para uma nova vida, sabendo que nunca mais verão suas famílias. Se repararmos as pessoas nesses lugares, muitas estão olhando para o teto, para os carros, para as outras pessoas, contemplando aquele que pode ser seu novo lar para o resto da vida. “é que quando eu cheguei por aqui / eu nada entendi...” (Sampa de Caetono Veloso). Ou o contrário, alguns respiram seus últimos minutos daquela que foi sua casa desde moleque. Aeroportos e Cia são um banquete pra quem gosta de olhar pessoas. Eu gosto. É uma mina de acontecimentos fantásticos, dramáticos, corriqueiros, secos e molhados.
Mais emocionantes que ver alguém se despedir introspectivamente da terra natal ou de descobrir com olhos de criança uma nova vida, são as despedidas e os reencontros de pessoas com pessoas. No caso particular de Kastrup eu vi algumas cenas que se fixaram na minha memória espontâneamente. Vou descrever quatro. Seria mais apropriado na verdade chamar estas cenas de curtas-metragem. Isto porque são sequências de cenas que culminam em um final.
Nas 4 horas que eu deveria penosa e humildimente esperar para embarcar comecei a matar meu tempo olhando para seres humanos. A primeira pessoa que eu reparei foi um militar dinamrquês que iria recepcionar um outro militar dinamarquês que chegava do Iraque. Sim, a Dinamarca tem tropas no Iraque. Este militar dava uma entrevista à uma reporter em inglês e dizia ladainhas que não fiz questão de escutar. Do outro lado do saguão umas 40 pessoas esperavam o tal soldado chegar, cada uma delas com uma bandeirinha da Dinamarca na mão, que podia ser comprada por cerca de 30 Coroas Dinamarquesas (uns R$ 10) na banca ao lado. Creio que eram família e amigos. Faziam balbúrdia toda vez que uma leva de Homo Sapiens saia fresquinha do forno. Mas não, ainda não. Entre repórteres e bandeirinhas havia uma mulher, de cerca de 50 anos de idade, sentada, atenta ao saguão de desembarque. Já esperava havia tempo longo. Estava bonita, bem arrumada, mas nada demasiado, estava elegante. Usava uma saia até o joelho, maquiagem pouca e suficiente. Ela esperava. E eu me perguntava quem ela esperava. Um filho, marido, namorado? Ou um mero cliente? Não me engano, há dezenas de histórias fantásticas em aeroportos, mas da mesma forma há dezenas de histórias monótonas e corriqueiras. (onde eu quero chegar eu não sei, mas vamos escrevendo que sai alguma coisa).
O terceiro grupo de Homo Sapiens que eu observava era uma mãe e três filhos, moleques entre 12 e 15 anos. Eram árabes, e deviam esperar o pai, por suposição. Pensava eu: “pobre mulher que é obrigada a usar véu. Que vida reprimida e não vivida”. As bandeirinhas se agitam mais uma vez. Não, ainda não. A mulher de saia contorcia o pescoço e fatigava seus músculos oculares. Ela parecia só. Me aparece então a quarta pessoa, um rapaz de uns 25 anos, bem apessoado, claramente não dinamarquês. Também esperava alguém.
E eu então me disciplinei automaticamente a observar estes quatro grupos de pessoas por mera curiosidade. Como quem pega um filme no meio, e tenta entendê-lo somente com o final, sem ter visto o começo. O filme se mostrou não-hollywoodiano. Não houve explosões, nem mortes, nem alagamentos. Não houve desmaios, nem escândalos. Aconteceram momentos bonitos e sutis, que se não observados com atenção, passam desapercebidos. E são nestes momentos onde a emoção é tímida que eu me identifico, que eu percebo que não é novela nem filme. São Homo Sapiens de verdade, com estrias e rugas. O fundo não é um vale esverdeado italiano, é uma lixeira suja e um policial cutucando o nariz. É real. Isso é verdadeiramente emocionante.
A mulher de saia se levanta, seu marido (suponho) chega de terno e gravata, com uma maleta na mão, lhe dá um abraço lento. Um cheira o outro. Olham-se de perto, sorriem. Não se beijam. Saem de braços cruzados sem dizer uma palavra, nitidamente felizes.
O rapaz bem apessoado não demosntra muita emoção, quando sua mãe, pai e irmã mais nova chegam. São de origem humilde. Ele provavelmente veio de um país pobre para fazer a vida na Dinamarca, e a família veio visitar depois de muito tempo (continuo supondo). O rapaz parecia ter se dado bem, se vestia bem, usava gel no cabelo, era o membro mais alto da família. A mãe passava a mão no rosto do rapaz com um olhar de muito orgulho. O pai sorria e não passava sentimentos ocultos, estava feliz por ver o filho, simples assim. Mas a irmã com uns 13 anos de idade me emocionou de verdade. Talvez porque a sua reação foi a mais tímida de todas, mas também a mais incontrolável. Ela olhava o irmão bonito e alto, seus olhos desaguavam águas por mais que ela tentasse escondê-las. O sorriso no rosto estava firmado como concreto. Estava claro que ela tinha perdido qualquer controle sobre suas emoções. E ainda assim, os dois se abraçaram controladamente. Anos de distância os fizeram estranhos um ao outro. Não sei se eu soube passar direito a cena, mas pra mim foi muito emocionante assistir aquela menina tentando domar suas reações sem nenhum sucesso.
Já a família árabe começa a correr ao ver o pai chegando. Em pouco tempo ele tem três moleques pendurados em seus ombros pernas e etc. Os meninos se agarram ao pai como macacos em uma árvore. A pasta cai no chão. A mulher árabe observa serenamente a cena enquanto caminha em direção ao marido. A meninada abre espaço e o casal se abraça e se beija de maneira que não deixa dúvidas que ali existe amor. Uma cena mais clichê que esta é impossível. E me fez pensar como eu fui estúpido em pensar que as pessoas que usam véu na cabeça não amam.
Eu embarquei. Não cheguei a ver a chegada do soldado. Uma pena, teria sido interessante.
Este é mais um texto sem propósito, como podem perceber.
De qualquer forma eu recomendo o hábito de observar os outros. É muito bom observar as sutililezas alheias. Me faz sentir dentro do grupo dos Homos Sapiens, que são bem diferentes dos filmes. Não é preciso fundos musicais, nem a luz certa. As frases são espontâneas e as testas suadas brilham. Não há explosões de emoções, há o detalhe. Não há finais felizes nem grandes finalles. Voilà um reality show que vale a pena assistir.

2 commentaires:

Rafael a dit…

Logo que desembarquei em Paris, vindo do Brasil, eu também fiz algo bem parecido.
O taxi que deveria nos pegar no aeroporto demorou e eu apenas observei. Havia uma senhora que esperava e, quando a sua filha chegou, elas nada falaram e apenas choraram abraçadas.

Ângela a dit…

Ei Fábio, outro dia li esse poema e acho que parece com o que você escreveu:

"O florir do encontro casual
Dos que hão sempre de ficar estranhos...

O único olhar sem interesse recebido no acaso
Da estrangeira rápida...

O olhar de interesse da criança trazida pela mão
Da mãe distraída...

As palavras de episódio trocadas
Com o viajante episódico
Na episódica viagem...

Grandes mágoas de todas as coisas serem bocados...
Caminho sem fim..."
(Álvaro de Campos)